Praça Argileu de Oliveira Souza

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É um prazer enorme receber visitantes em meu blog!!! Sintam-se em casa, mas não façam bagunça!!!!! RSRSRSRSRSR

Neste blog vocês encontrarão informações pessoais de seu idealizador assim como postagens interessantes sobre o Gonçalo... Apertem os cintos e boa viagem!!!!!!

POPULAÇÃO DE GONÇALO: 1312 Habitantes (Fonte: Censo 2010)

22 de mai. de 2021

HOMENAGEM AO MÊS DAS MÃES - PROFESSORA BELINHA - Por Júnior de Feira

 


Uma Mãe chamada Menininha.

 

As parteiras do Gonçalo...

Na minha época no Gonçalo e região quase que a totalidade dos partos eram feitos por parteiras e quase ninguém tinha acesso a um parto feito por médicos. Nesse tempo existiam três parteiras no Gonçalo: Zefa de Isabel de Bião, Mãe Menininha, Zefa de Florzinha que pela idade avançada fazia parto apenas de membros da família. Todas tiveram um papel importantíssimo na história do Gonçalo. Eram verdadeiros anjos colocados em nosso caminho, entretanto permitam-me falar de uma delas...

 

Uma gigante chamada Menininha...

Pouco se sabe a respeito de sua vida, mesmo porque ninguém se interessava por informações sobre ela, o que eu sei é que ela veio da cidade de Várzea do Poço para morar no Gonçalo nas proximidades da casa do antigo gerador de energia. Negra, baixa e gordinha, sem qualquer alfabetização, mãe de uma grande amiga minha Tezinha e avó de Tonho, Curi, as gêmeas Eva e Evina e o caçula Gerinho. Ela aprendeu o ofício de parteira com sua mãe.

 

A ligação ...

Há mais ou menos 20 dias recebi uma ligação do meu filho mais velho (Cássio) me perguntando o nome da mulher que tinha feito o meu parto... falei: Mãe Menininha, disso ele sabia, na verdade ele queria saber o nome completo dela. Confesso que não sabia, então me pediu que eu descobrisse o nome de batismo dela. Pela insistência dele em saber essa informação envolvemos toda família para tentar descobrir seu verdadeiro nome. Depois de muito custo, várias ligações para o Gonçalo, inúmeros contatos com pessoas que conviveram com ela e sem uma resposta satisfatória, pedimos ajuda a Leo (do Blog) que descobriu olhando a certidão de nascimento de (Gerinho) um dos netos.

 

Na feira, na praça, no rio em qualquer lugar....

Mãe Menininha não tinha sossego, em qualquer lugar em que estivesse sempre chegava uma grávida e dizia: quero que você faça meu parto, assim ela passava suas mãos mágicas e experientes e dizia: você vai ter um parto bom... era assim que era feito o “pré-natal” de muitas grávidas do Gonçalo..., mas nem tudo era alegria, ao examinar algumas delas mãe Menininha era categórica: “ você não pode ter esse menino comigo, você tem que procurar um médico”. Infelizmente muitos não seguiam seus conselhos e havia óbitos da criança e da mãe...

Presenciei, certa vez, o marido de uma delas que foi buscar mãe Menininha para fazer o parto da esposa, e ela retrucou... “não posso fazer o parto dela, já te falei, você tem que trazer um médico”, mesmo assim ele a levou e lembro que ela foi chorando pelo caminho, pois já previa a tragédia... 

Naquele tempo qualquer problema na hora no parto era uma dificuldade para trazer um médico. Uma pessoa tinha que pegar um cavalo ir pela estrada do Esconso, esperar um carro e ir até Jacobina para trazer o médico... infelizmente quase nunca dava tempo...

Os partos...

Muitas vezes ela fazia partos em lugares distantes do Gonçalo, nessa época vinha o marido montado em um cavalo e trazendo outro para ela, sem nunca se negar a fazer subia no cavalo e partia para socorrer a gestante...

          O parto normal não tem a precisão temporal que tem os partos cesáreos quando a gestante juntamente com seu médico escolhe o dia e hora de ter o bebê. Mãe Menininha muitas vezes ficava a noite toda ou o dia inteiro junto da gestante esperando o momento para fazer o parto. No meu caso comecei a sentir as dores             ás 5 horas da manhã e Mãe Menininha já estava ao meu lado, mas só às 18 horas fez o parto do meu primeiro filho Cássio.

 

O dia a dia de Menininha...

Menininha vivia em uma pobreza extrema.  Morava em uma casa bem simples de chão batido, parede de varas e barro, a chamada parede de “sopapo”. Como todos de sua família dormia em cama de forquilha (cama feita com seis forquilha de ramo de árvore em forma de “Y”, sendo duas na cabeceira, duas no meio e duas nos pés todas fincadas no chão de barro), coberto por galhos de arvores verticais e horizontais, embaixo de um colchão feito de retalhos de chita com preenchimento de junco. Não havia nenhum móvel na sua casa (mesa, cadeira, etc.,) exceto um banco de madeira rústico, panelas de barro e um “ fogão” que era feito com 3 pedras no chão para apoiar a panela, além de um pote.   Mesmo assim não exigia nada pelos seus serviços, geralmente recebia como “pagamento” uma galinha, um litro de feijão ou de farinha, algo assim ou um “Deus lhe pague”...  Para sobreviver como muitas pessoas da época quebrava “licuri” para vender e tirava pó de palha de licurizeiro. Sobre isso preciso explicar aos mais jovens o que era essa atividade que se perdeu no tempo para que depois as pessoas não digam que isso é uma “lenda”. Vou explicar como esse processo acontecia.

 

O pó de palha dos licurizeiro...

           Esse pó servia, dentre outras utilidades, como matéria prima para fazer utensílios como uma espécie de plástico, nessa época não existia o plástico que a gente conhece hoje, por isso o pó de palha assumia essa função, também foi usado como cola, era só derreter e colava de tudo, uma espécie de tenaz da época. Sua coleta era uma tarefa dura e penosa que envolvia todos integrantes de uma família. Havia uma divisão de tarefas onde alguns iam mato a dentro cortar as palhas e levava para casa, outros tiravam a talisca do meio e todos se reuniam para raspar a palha para tirar o pó...  A pessoa que extraia o pó de palha trabalhava o dia inteiro (cerca de 12 horas) para conseguir juntar menos de 1 kg que era vendido para José Inocêncio (dentre outros) que tinha um galpão para armazenamento.  O valor de 1 kg rendia alguns trocados que dava para comprar um pouco de alimento. O trabalho era duro e só era feito quando só tinha aquela oportunidade de levar algum dinheiro para casa. O processo de retirada do pó era assim:  colocava um pedaço de couro na perna, raspava a palha com “ as costas” de uma faca, colocando o pó em uma vasilha.  Nessa época vinha um caminhão de Riachão do Jacuípe que levava o pó de palha, licuri, milho, mamonas, etc. para Salvador.

Lembro-me que quando estava de férias (de dar aulas) visitava algumas dessas famílias carentes e passava o dia raspando palha para ajudar nessa árdua tarefa. Lembro também que eram dias agradáveis ouvindo as histórias dos mais velhos. Ao meio dia vinha para casa almoçar e a tarde estava de volta... para mim era um de jeito de ajudar e ocupar o tempo, para eles o pão de cada dia.

 

O fim da cultura do pó de palha com a chegada do plástico no Brasil...

Em 1949, em São Paulo, foi inaugurada a primeira fábrica de plástico no Brasil, mas só no início da década de 1960 o plástico ficou mais acessível a todos substituindo os utensílios feitos de pó de palha, madeira, vidro, metal, etc. Assim, conseguintemente o pó de palha perdeu sua utilidade colocando muitas pessoas que dependiam dessa atividade sem esse recurso.

A homenagem...

Na década de 1990 graças ao reconhecimento e sensibilidade do então prefeito Nilton Batista Matos foi feito o devido reconhecimento a mãe Menininha colocando a maternidade e hoje posto de saúde da família com seu nome, talvez, a primeira e única homenagem que recebeu...

É uma tarefa difícil, mesmo hoje, no Gonçalo alguém não ter um parente (pai, tio, avó, tia, etc.) que não tenha nascido pelas mãos de Menininha, e para que ninguém jamais esqueça seu nome era: LAURENTINA MARIA DE JESUS... seu nome resumia tudo, tinha que ser mãe, tinha que ser Maria e tinha que ser Jesus...




6 de jan. de 2021

Esse pecado eu nunca confessei a Padre Alfredo... Professora Belinha - Por Júnior de Feira

 


Padre Alfredo sempre foi meu confessor e no momento da confissão sabia tudo que se passava em minha vida, todos os meus sonhos, todas minhas angústias, meus medos, dúvidas e principalmente meus pecados, entretanto tinha um pecado que nunca confessei ao santo padre, nem podia era um segredo entre mim e Deus; mas, antes de contar a vocês permita-me voltar um pouquinho no tempo.

 

A Vinda do padre Alfredo para o Brasil...

Em 1938, a Alemanha Nazista anexa seu território a Áustria essa união entre as duas nações era um sonho de Hitler, austríaco de nascimento assim como padre Alfredo, contudo essa ligação da Alemanha com a Áustria trouxe graves problemas para padre Alfredo quando ele chegou ao Brasil, já que as autoridades brasileiras achavam que ele poderia ser um agente nazista infiltrado em terras brasileiras. Policiais saíram de Salvador para prendê-lo em Jacobina, e só não foi preso porque José Marcelino um empresário muito influente na cidade peitou a polícia e não deixou que fosse preso, assim se desfez o mal entendido. Padre Alfredo na verdade era um agente infiltrado de Deus em terras brasileiras, isso sim...

Um homem a frente de seu tempo...

Ainda em 1938, o Abade Othamar, amigo de padre Alfredo, o definia como um homem “cheio de ideias”. Conta ele que naquele tempo os padres eram obrigados a celebrar a missa de costas para o povo e de frente para o altar e toda celebração era em latim, mas o recém-ordenado padre questionava o jeito secular de os padres celebrarem a santa missa de costas para o povo e, como forma de “protesto” ele celebrou a missa de frente para o povo. Anos depois, já no Gonçalo e em toda região, isso virou uma prática normal para ele sempre celebrando a santa missa de frete para o povo, embora toda missa fosse em latim, ele treinou  suas professoras paroquiais para fazer a tradução simultânea do latim para o português, uma revolução para a  época.

O Concílio do Vaticano II...

Até 1962 era imposição da Igreja Católica de que as missas fossem celebradas com os padres de costas para o povo e de frente para o altar, mas em 1962 o Papa João XXIII convidou os bispos de todo o mundo para fazer algumas mudanças nas regras da Igreja Católica, esse encontro foi chamado de Concílio do Vaticano II e durou de 1962 a 1965.

Dentre as mudanças estava a autorização para os padres celebrarem a missa de frente para o povo e na língua do país da celebração, pois antes só era permitida a celebração da missa em latim.

O lendário Frei Damião...

Certa vez, frei Damião conhecido frei capuchinho (que mais tarde recebeu o título de Servo de Deus, que é o primeiro passo para o processo de canonização) sabendo da ideia de padre Alfredo em fazer a tradução simultânea do Latim para o português na celebração da missa, pegou um trem de Recife para Jacobina, passou a noite copiando a tradução da missa provavelmente para empregar em suas igrejas em Recife.

 

Um dia marcante...

Padre Alfredo foi ordenado padre em julho de 1933, coincidentemente no mesmo mês e ano em que nasci.  Naquele tempo o Gonçalo não tinha escola, apenas um professor particular chamado Pedro Santana (com quem fiz o pré-primário) que era contratado pelos pais para ensinar às crianças as primeiras letras e números, ou aprender a assinar o nome, o que era suficiente para os pais tirarem as crianças das aulas.

Um dia quando eu tinha aproximadamente 10 anos de idade, e com minha irmã caçula Lúcia “enganchada” em meus quadris vi o padre chegando montado em seu burro (companheiro de longas viagens) indo para um salão que tinha alugado do Sr. João Ferreira para montar a primeira escola do Gonçalo. Naquela oportunidade lembro que ele estava acompanhado da primeira e excelente professora Ana Brandão que veio de Sr. do Bomfim. Tudo para mim era novidade, aquelas carteiras próprias pra estudantes, quadro negro (coisas que ninguém nunca tinha visto pelas bandas de cá).

 

Um educador visionário por excelência...

O padre Alfredo tinha verdadeira paixão em ensinar os mais pobres, principalmente àqueles que não teriam oportunidades de ter um ensino gratuito e de qualidade, aliás primeiro pensava em educar as crianças antes mesmo de evangelizar, e nesse quesito tinha uma frase célebre: “como posso evangelizar sem saber se os que me ouvem absorviam plenamente o ensinamento e por isso o aceitavam”. A escritora Suzane Alice (in memorian) descreve em seu livro intitulado “Alfredo de Deus, Alfredo dos Pobres” que em seus 20 anos de sacerdócio em Jacobina e região, desde sua chegada em 1938, percorreu montado em seu burro, 20.000 léguas (ou 120.000 km ou 60 vezes a distancia entre Jacobina e São Paulo) ensinando, evangelizando, construindo escolas, fazendo batizados e casamentos, medicando a população, isso tudo documentado em seus relatórios diários que preenchia para prestar contas a igreja. Depois, em 1961, recebeu de presente um jipe dos católicos da Áustria para ajudar na locomoção, se na época em que andava no lombo de um burro não tinha distância para ele, imagina agora de jipe...

Padre, Professor ou Médico...

Certa vez ele me confidenciou que sua família queria que ele estudasse medicina, até começou a estudar, mas na verdade ele queria ser mesmo era “médico de almas”. Outra paixão dele, além de evangelizar e cuidar da educação dos mais carentes era “clinicar”, em todas as suas viagens primeiro em seu burro e depois nos automóveis, ele sempre levava uma mala cheia de remédios para doar e ensinar os pobres como usar os medicamentos doados. Presenciei inúmeras vezes em que ao terminar a celebração da missa ele se deslocava para um quarto (cedido na pensão de minha saudosa mãe miúda) onde atendia todos os doentes que precisavam de medicamentos, esse ritual sempre acontecia após as missas em qualquer lugar onde o padre estivesse hospedado (na casa de Pedrinho Feitosa, Zé Inocêncio, José Ferreira mais conhecido como Tote, etc...). Nesse tempo uma consulta com médico era coisas das mais difíceis da época, tanto pelo valor da consulta, estradas ruins, quanto pela distância que separa o Gonçalo de Jacobina cerca de 40 km. Lembro um dia que a esposa de Baio de Justiniano(Laura) estava grávida de gêmeos entrou em trabalho de parto e dessa forma a parteira da época mãe menininha não conseguia fazer o parto, mandei um bilhete para o padre Alfredo (em Jacobina) pedindo que conseguisse um médico urgente. Partiu Baio de cavalo até o Esconso e lá pegou um carro até jacobina para entregar o bilhete a padre Alfredo... Ele não estava na cidade, mas sempre deixava uma ordem que se chegasse qualquer pedido das professoras das escolas dele era pra ser atendido sem questionar, assim foi feito, a secretaria da casa paroquial, mandou o Dr. Flori urgente para o Gonçalo, padre Alfredo ao tomar conhecimento do meu pedido sem saber que já tinham enviado um médico mandou outro medico Dr. Raimundo, assim a paciente foi atendida por dois médicos. É bom lembrar que todas as despesas com médicos eram custeadas pelo padre.

 

Os três grãos de café e o segredo revelado...

Convivi com ele durante muitos anos e uma coisa chamava a atenção de todos, ele nunca tomava café, nunca... Era flagrado sempre tomando leite, e todos achavam que era uma prática para manter a saúde em dia, degustando uma bebida mais saudável. Durante toda minha vida eu pensei que era isso, mas o segredo foi revelado pela escritora e amiga Suzana em seu livro publicado em 2015.

“ao desembarcar no Brasil, ele encontrou três grãos de café no navio ou no porto, ele pegou esses grãos e guardou... enviou dois para a família na Áustria e guardou um no bolso de seu paletó” a verdade era que lá na Áustria nem ele nem a sua família podiam tomar café, pois era uma bebida muito cara, apreciada pelas famílias mais abastadas financeiramente e que apesar de ser uma bebida acessível a todos aqui no Brasil, desde o mais humilde cidadão até os mais ricos, padre Alfredo se recusava a tomar café no Brasil sabendo que sua família não podia desfrutar de tal “privilégio” na Áustria.

 

As escolas paroquiais de padre Alfredo...

Naquele tempo as escolas paroquiais só ofereciam até o quinto ano primário, depois de concluído vinha uma banca examinadora de professores de Jacobina aplicar uma espécie de “vestibular” para o aluno obter a aprovação do quinto ano, só assim recebia o diploma de conclusão. Lembro-me da minha vez em que fui me submeter a essa banca examinadora. Do Gonçalo apenas eu estava apta a fazer, então tive que ir até Jacobina me juntar a mais dois alunos (vindos do Caém) para o exame. Primeiro fazíamos as provas escritas na escola e depois tinha a prova oral, na frente dos professores e pais e de pessoas que assistiam, os professore faziam perguntas de português (professora Felicidade) Matemática (tinha questões de Câmbio, frações, etc.) e Religião com padre Alfredo.

Como obtive sucesso padre Alfredo me mandou para o povoado de Alagadiço, assim começou minha história (com 16 anos) como professora paroquial.

Meus Alunos...

O máximo que um aluno humilde do Gonçalo e Região conseguiam chegar era a conclusão do quinto ano, pois o próximo passo seria fazer o exame de admissão, mas caso aprovado, precisava de recursos financeiros para estudar fora, e quase nenhum tinha esses recursos, os que vinham de famílias mais abastadas mandavam seus filhos para Jacobina, Senhor do Bomfim, Jequitibá e Salvador.

A ideia...

Em Jequitibá existia um mosteiro com excelente estrutura, um sonho, mas a sua estadia era muito cara para os padrões da época... Então padre Alfredo me conferiu a missão de selecionar alguns alunos para mandar pra lá, que tivesse vocação para ser padre, além da vocação, teria quer ser bons alunos, ter comportamento exemplar e ser assíduos nas aulas...


Foto atual do mosteiro de Jequitibá - BA

Eis o pecado...

Vi nesse pedido de Padre Alfredo a oportunidade de mandar meus bons alunos para desfrutar uma excelente educação e o melhor sem custos para ele e suas famílias (até o enxoval era doado pelo padre). Visitava os pais dos alunos e dizia: quero mandar seu filho para estudar em Jequitibá com todos os custos pagos pela igreja. Os pais ficavam radiantes de felicidades, mas diziam: “professora infelizmente meu filho não tem vocação nenhuma para ser padre”. Eu dizia... Eu sei disso, ele também sabe, nós sabemos, mas é uma oportunidade das melhores para preparamos ele para a vida, a educação é talvez a única herança que nós pais pobres podemos propiciar para nossos filhos.  Logo vinha a segunda pergunta: E depois da formatura, eles têm que ir para o seminário, o que vamos fazer? Eu respondia “deixa comigo”, eu assumo a responsabilidade de falar com o padre... E assim depois da formatura padre Alfredo me perguntava fulano já acabou os estudos, quando se apresenta no seminário? Eu dizia: padre Alfredo, ele não tem vocação para essa santa missão, me enganei, desde criança via nele um padre, mas infelizmente não vai ser... Mas aí eles já estavam formados e com uma excelente bagagem para enfrentar os desafios da vida...

Às vezes me questionava se estava fazendo a coisa certa... Trair a confiança de um santo homem que muito me ajudou e sempre confiou a mim a execução de vários de seus projetos, sei que também pequei contra minha igreja já que a verba era destinada aos alunos com vocação para o celibato, apenas para eles. Mas entendia que o pobre estudante da região tinha poucas oportunidades de seguir estudando, haja vista que depois de concluído o quinto ano muitos voltavam para os trabalhos na roça em suas terras áridas e castigadas pelas secas frequentes. Alguns eram “obrigados” a tentar a sorte em São Paulo, mas chegando lá a maioria abandonavam os estudos... Via no rostinho de cada criança um potencial enorme que às vezes só os professores percebem, via também joias preciosas que precisariam ser lapidadas, em outros lugares, com novos professores...

À noite, quando colocava minha cabeça no travesseiro lembrava que nunca foi fácil para eu fazer tais escolhas, sempre vivi essa dualidade, entretanto nunca tive dúvida na hora de fazer minha escolha: entre trair a igreja e ajudar meus alunos, sempre escolhia meus alunos, entre decepcionar Padre Alfredo e dar uma esperança de sucesso aos alunos, sempre fiquei com meus alunos, porque quando se nasce com a vocação para ser professora alguns pecados são permitidos...