Uma Mãe
chamada Menininha.
As
parteiras do Gonçalo...
Na minha
época no Gonçalo e região quase que a totalidade dos partos eram feitos por
parteiras e quase ninguém tinha acesso a um parto feito por médicos. Nesse
tempo existiam três parteiras no Gonçalo: Zefa de Isabel de Bião, Mãe Menininha,
Zefa de Florzinha que pela idade avançada fazia parto apenas de membros da família.
Todas tiveram um papel importantíssimo na história do Gonçalo. Eram verdadeiros
anjos colocados em nosso caminho, entretanto permitam-me falar de uma delas...
Uma gigante chamada Menininha...
Pouco se
sabe a respeito de sua vida, mesmo porque ninguém se interessava por
informações sobre ela, o que eu sei é que ela veio da cidade de Várzea do Poço
para morar no Gonçalo nas proximidades da casa do antigo gerador de energia.
Negra, baixa e gordinha, sem qualquer alfabetização, mãe de uma grande amiga
minha Tezinha e avó de Tonho, Curi, as gêmeas Eva e Evina e o caçula Gerinho.
Ela aprendeu o ofício de parteira com sua mãe.
A ligação ...
Há mais ou
menos 20 dias recebi uma ligação do meu filho mais velho (Cássio) me
perguntando o nome da mulher que tinha feito o meu parto... falei: Mãe
Menininha, disso ele sabia, na verdade ele queria saber o nome completo dela. Confesso
que não sabia, então me pediu que eu descobrisse o nome de batismo dela. Pela
insistência dele em saber essa informação envolvemos toda família para tentar
descobrir seu verdadeiro nome. Depois de muito custo, várias ligações para o
Gonçalo, inúmeros contatos com pessoas que conviveram com ela e sem uma
resposta satisfatória, pedimos ajuda a Leo (do Blog) que descobriu olhando a
certidão de nascimento de (Gerinho) um dos netos.
Na feira, na praça, no rio em qualquer lugar....
Mãe Menininha
não tinha sossego, em qualquer lugar em que estivesse sempre chegava uma grávida
e dizia: quero que você faça meu parto, assim ela passava suas mãos mágicas e
experientes e dizia: você vai ter um parto bom... era assim que era feito o “pré-natal”
de muitas grávidas do Gonçalo..., mas nem tudo era alegria, ao examinar algumas
delas mãe Menininha era categórica: “ você não pode ter esse menino comigo,
você tem que procurar um médico”. Infelizmente muitos não seguiam seus
conselhos e havia óbitos da criança e da mãe...
Presenciei,
certa vez, o marido de uma delas que foi buscar mãe Menininha para fazer o
parto da esposa, e ela retrucou... “não posso fazer o parto dela, já te falei,
você tem que trazer um médico”, mesmo assim ele a levou e lembro que ela foi
chorando pelo caminho, pois já previa a tragédia...
Naquele
tempo qualquer problema na hora no parto era uma dificuldade para trazer um
médico. Uma pessoa tinha que pegar um cavalo ir pela estrada do Esconso, esperar
um carro e ir até Jacobina para trazer o médico... infelizmente quase nunca
dava tempo...
Os partos...
Muitas
vezes ela fazia partos em lugares distantes do Gonçalo, nessa época vinha o
marido montado em um cavalo e trazendo outro para ela, sem nunca se negar a fazer
subia no cavalo e partia para socorrer a gestante...
O parto normal não tem a precisão
temporal que tem os partos cesáreos quando a gestante juntamente com seu médico
escolhe o dia e hora de ter o bebê. Mãe Menininha muitas vezes ficava a noite
toda ou o dia inteiro junto da gestante esperando o momento para fazer o parto.
No meu caso comecei a sentir as dores ás
5 horas da manhã e Mãe Menininha já estava ao meu lado, mas só às 18 horas fez
o parto do meu primeiro filho Cássio.
O dia a dia de Menininha...
Menininha
vivia em uma pobreza extrema. Morava em
uma casa bem simples de chão batido, parede de varas e barro, a chamada parede
de “sopapo”. Como todos de sua família dormia em cama de forquilha (cama feita
com seis forquilha de ramo de árvore em forma de “Y”, sendo duas na cabeceira,
duas no meio e duas nos pés todas fincadas no chão de barro), coberto por galhos
de arvores verticais e horizontais, embaixo de um colchão feito de retalhos de
chita com preenchimento de junco. Não havia nenhum móvel na sua casa (mesa,
cadeira, etc.,) exceto um banco de madeira rústico, panelas de barro e um “
fogão” que era feito com 3 pedras no chão para apoiar a panela, além de um
pote. Mesmo assim não exigia nada pelos seus
serviços, geralmente recebia como “pagamento” uma galinha, um litro de feijão
ou de farinha, algo assim ou um “Deus lhe pague”... Para sobreviver como muitas pessoas da época
quebrava “licuri” para vender e tirava pó de palha de licurizeiro. Sobre isso
preciso explicar aos mais jovens o que era essa atividade que se perdeu no
tempo para que depois as pessoas não digam que isso é uma “lenda”. Vou explicar
como esse processo acontecia.
O pó de palha dos licurizeiro...
Esse pó servia, dentre outras utilidades,
como matéria prima para fazer utensílios como uma espécie de plástico, nessa
época não existia o plástico que a gente conhece hoje, por isso o pó de palha
assumia essa função, também foi usado como cola, era só derreter e colava de
tudo, uma espécie de tenaz da época. Sua coleta era uma tarefa dura e penosa
que envolvia todos integrantes de uma família. Havia uma divisão de tarefas
onde alguns iam mato a dentro cortar as palhas e levava para casa, outros tiravam
a talisca do meio e todos se reuniam para raspar a palha para tirar o
pó... A pessoa que extraia o pó de palha
trabalhava o dia inteiro (cerca de 12 horas) para conseguir juntar menos de 1
kg que era vendido para José Inocêncio (dentre outros) que tinha um galpão para
armazenamento. O valor de 1 kg rendia
alguns trocados que dava para comprar um pouco de alimento. O trabalho era duro
e só era feito quando só tinha aquela oportunidade de levar algum dinheiro para
casa. O processo de retirada do pó era assim:
colocava um pedaço de couro na perna, raspava a palha com “ as costas”
de uma faca, colocando o pó em uma vasilha.
Nessa época vinha um caminhão de Riachão do Jacuípe que levava o pó de
palha, licuri, milho, mamonas, etc. para Salvador.
Lembro-me
que quando estava de férias (de dar aulas) visitava algumas dessas famílias
carentes e passava o dia raspando palha para ajudar nessa árdua tarefa. Lembro
também que eram dias agradáveis ouvindo as histórias dos mais velhos. Ao meio
dia vinha para casa almoçar e a tarde estava de volta... para mim era um de
jeito de ajudar e ocupar o tempo, para eles o pão de cada dia.
O fim da cultura do pó de palha com a chegada do plástico no Brasil...
Em 1949, em
São Paulo, foi inaugurada a primeira fábrica de plástico no Brasil, mas só no início
da década de 1960 o plástico ficou mais acessível a todos substituindo os
utensílios feitos de pó de palha, madeira, vidro, metal, etc. Assim,
conseguintemente o pó de palha perdeu sua utilidade colocando muitas pessoas
que dependiam dessa atividade sem esse recurso.
A homenagem...
Na década
de 1990 graças ao reconhecimento e sensibilidade do então prefeito Nilton Batista
Matos foi feito o devido reconhecimento a mãe Menininha colocando a maternidade
e hoje posto de saúde da família com seu nome, talvez, a primeira e única
homenagem que recebeu...
É uma
tarefa difícil, mesmo hoje, no Gonçalo alguém não ter um parente (pai, tio, avó,
tia, etc.) que não tenha nascido pelas mãos de Menininha, e para que ninguém jamais
esqueça seu nome era: LAURENTINA MARIA
DE JESUS... seu nome resumia tudo, tinha que ser mãe, tinha que ser Maria
e tinha que ser Jesus...