Praça Argileu de Oliveira Souza

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Neste blog vocês encontrarão informações pessoais de seu idealizador assim como postagens interessantes sobre o Gonçalo... Apertem os cintos e boa viagem!!!!!!

POPULAÇÃO DE GONÇALO: 1312 Habitantes (Fonte: Censo 2010)

6 de jan. de 2021

Esse pecado eu nunca confessei a Padre Alfredo... Professora Belinha - Por Júnior de Feira

 


Padre Alfredo sempre foi meu confessor e no momento da confissão sabia tudo que se passava em minha vida, todos os meus sonhos, todas minhas angústias, meus medos, dúvidas e principalmente meus pecados, entretanto tinha um pecado que nunca confessei ao santo padre, nem podia era um segredo entre mim e Deus; mas, antes de contar a vocês permita-me voltar um pouquinho no tempo.

 

A Vinda do padre Alfredo para o Brasil...

Em 1938, a Alemanha Nazista anexa seu território a Áustria essa união entre as duas nações era um sonho de Hitler, austríaco de nascimento assim como padre Alfredo, contudo essa ligação da Alemanha com a Áustria trouxe graves problemas para padre Alfredo quando ele chegou ao Brasil, já que as autoridades brasileiras achavam que ele poderia ser um agente nazista infiltrado em terras brasileiras. Policiais saíram de Salvador para prendê-lo em Jacobina, e só não foi preso porque José Marcelino um empresário muito influente na cidade peitou a polícia e não deixou que fosse preso, assim se desfez o mal entendido. Padre Alfredo na verdade era um agente infiltrado de Deus em terras brasileiras, isso sim...

Um homem a frente de seu tempo...

Ainda em 1938, o Abade Othamar, amigo de padre Alfredo, o definia como um homem “cheio de ideias”. Conta ele que naquele tempo os padres eram obrigados a celebrar a missa de costas para o povo e de frente para o altar e toda celebração era em latim, mas o recém-ordenado padre questionava o jeito secular de os padres celebrarem a santa missa de costas para o povo e, como forma de “protesto” ele celebrou a missa de frente para o povo. Anos depois, já no Gonçalo e em toda região, isso virou uma prática normal para ele sempre celebrando a santa missa de frete para o povo, embora toda missa fosse em latim, ele treinou  suas professoras paroquiais para fazer a tradução simultânea do latim para o português, uma revolução para a  época.

O Concílio do Vaticano II...

Até 1962 era imposição da Igreja Católica de que as missas fossem celebradas com os padres de costas para o povo e de frente para o altar, mas em 1962 o Papa João XXIII convidou os bispos de todo o mundo para fazer algumas mudanças nas regras da Igreja Católica, esse encontro foi chamado de Concílio do Vaticano II e durou de 1962 a 1965.

Dentre as mudanças estava a autorização para os padres celebrarem a missa de frente para o povo e na língua do país da celebração, pois antes só era permitida a celebração da missa em latim.

O lendário Frei Damião...

Certa vez, frei Damião conhecido frei capuchinho (que mais tarde recebeu o título de Servo de Deus, que é o primeiro passo para o processo de canonização) sabendo da ideia de padre Alfredo em fazer a tradução simultânea do Latim para o português na celebração da missa, pegou um trem de Recife para Jacobina, passou a noite copiando a tradução da missa provavelmente para empregar em suas igrejas em Recife.

 

Um dia marcante...

Padre Alfredo foi ordenado padre em julho de 1933, coincidentemente no mesmo mês e ano em que nasci.  Naquele tempo o Gonçalo não tinha escola, apenas um professor particular chamado Pedro Santana (com quem fiz o pré-primário) que era contratado pelos pais para ensinar às crianças as primeiras letras e números, ou aprender a assinar o nome, o que era suficiente para os pais tirarem as crianças das aulas.

Um dia quando eu tinha aproximadamente 10 anos de idade, e com minha irmã caçula Lúcia “enganchada” em meus quadris vi o padre chegando montado em seu burro (companheiro de longas viagens) indo para um salão que tinha alugado do Sr. João Ferreira para montar a primeira escola do Gonçalo. Naquela oportunidade lembro que ele estava acompanhado da primeira e excelente professora Ana Brandão que veio de Sr. do Bomfim. Tudo para mim era novidade, aquelas carteiras próprias pra estudantes, quadro negro (coisas que ninguém nunca tinha visto pelas bandas de cá).

 

Um educador visionário por excelência...

O padre Alfredo tinha verdadeira paixão em ensinar os mais pobres, principalmente àqueles que não teriam oportunidades de ter um ensino gratuito e de qualidade, aliás primeiro pensava em educar as crianças antes mesmo de evangelizar, e nesse quesito tinha uma frase célebre: “como posso evangelizar sem saber se os que me ouvem absorviam plenamente o ensinamento e por isso o aceitavam”. A escritora Suzane Alice (in memorian) descreve em seu livro intitulado “Alfredo de Deus, Alfredo dos Pobres” que em seus 20 anos de sacerdócio em Jacobina e região, desde sua chegada em 1938, percorreu montado em seu burro, 20.000 léguas (ou 120.000 km ou 60 vezes a distancia entre Jacobina e São Paulo) ensinando, evangelizando, construindo escolas, fazendo batizados e casamentos, medicando a população, isso tudo documentado em seus relatórios diários que preenchia para prestar contas a igreja. Depois, em 1961, recebeu de presente um jipe dos católicos da Áustria para ajudar na locomoção, se na época em que andava no lombo de um burro não tinha distância para ele, imagina agora de jipe...

Padre, Professor ou Médico...

Certa vez ele me confidenciou que sua família queria que ele estudasse medicina, até começou a estudar, mas na verdade ele queria ser mesmo era “médico de almas”. Outra paixão dele, além de evangelizar e cuidar da educação dos mais carentes era “clinicar”, em todas as suas viagens primeiro em seu burro e depois nos automóveis, ele sempre levava uma mala cheia de remédios para doar e ensinar os pobres como usar os medicamentos doados. Presenciei inúmeras vezes em que ao terminar a celebração da missa ele se deslocava para um quarto (cedido na pensão de minha saudosa mãe miúda) onde atendia todos os doentes que precisavam de medicamentos, esse ritual sempre acontecia após as missas em qualquer lugar onde o padre estivesse hospedado (na casa de Pedrinho Feitosa, Zé Inocêncio, José Ferreira mais conhecido como Tote, etc...). Nesse tempo uma consulta com médico era coisas das mais difíceis da época, tanto pelo valor da consulta, estradas ruins, quanto pela distância que separa o Gonçalo de Jacobina cerca de 40 km. Lembro um dia que a esposa de Baio de Justiniano(Laura) estava grávida de gêmeos entrou em trabalho de parto e dessa forma a parteira da época mãe menininha não conseguia fazer o parto, mandei um bilhete para o padre Alfredo (em Jacobina) pedindo que conseguisse um médico urgente. Partiu Baio de cavalo até o Esconso e lá pegou um carro até jacobina para entregar o bilhete a padre Alfredo... Ele não estava na cidade, mas sempre deixava uma ordem que se chegasse qualquer pedido das professoras das escolas dele era pra ser atendido sem questionar, assim foi feito, a secretaria da casa paroquial, mandou o Dr. Flori urgente para o Gonçalo, padre Alfredo ao tomar conhecimento do meu pedido sem saber que já tinham enviado um médico mandou outro medico Dr. Raimundo, assim a paciente foi atendida por dois médicos. É bom lembrar que todas as despesas com médicos eram custeadas pelo padre.

 

Os três grãos de café e o segredo revelado...

Convivi com ele durante muitos anos e uma coisa chamava a atenção de todos, ele nunca tomava café, nunca... Era flagrado sempre tomando leite, e todos achavam que era uma prática para manter a saúde em dia, degustando uma bebida mais saudável. Durante toda minha vida eu pensei que era isso, mas o segredo foi revelado pela escritora e amiga Suzana em seu livro publicado em 2015.

“ao desembarcar no Brasil, ele encontrou três grãos de café no navio ou no porto, ele pegou esses grãos e guardou... enviou dois para a família na Áustria e guardou um no bolso de seu paletó” a verdade era que lá na Áustria nem ele nem a sua família podiam tomar café, pois era uma bebida muito cara, apreciada pelas famílias mais abastadas financeiramente e que apesar de ser uma bebida acessível a todos aqui no Brasil, desde o mais humilde cidadão até os mais ricos, padre Alfredo se recusava a tomar café no Brasil sabendo que sua família não podia desfrutar de tal “privilégio” na Áustria.

 

As escolas paroquiais de padre Alfredo...

Naquele tempo as escolas paroquiais só ofereciam até o quinto ano primário, depois de concluído vinha uma banca examinadora de professores de Jacobina aplicar uma espécie de “vestibular” para o aluno obter a aprovação do quinto ano, só assim recebia o diploma de conclusão. Lembro-me da minha vez em que fui me submeter a essa banca examinadora. Do Gonçalo apenas eu estava apta a fazer, então tive que ir até Jacobina me juntar a mais dois alunos (vindos do Caém) para o exame. Primeiro fazíamos as provas escritas na escola e depois tinha a prova oral, na frente dos professores e pais e de pessoas que assistiam, os professore faziam perguntas de português (professora Felicidade) Matemática (tinha questões de Câmbio, frações, etc.) e Religião com padre Alfredo.

Como obtive sucesso padre Alfredo me mandou para o povoado de Alagadiço, assim começou minha história (com 16 anos) como professora paroquial.

Meus Alunos...

O máximo que um aluno humilde do Gonçalo e Região conseguiam chegar era a conclusão do quinto ano, pois o próximo passo seria fazer o exame de admissão, mas caso aprovado, precisava de recursos financeiros para estudar fora, e quase nenhum tinha esses recursos, os que vinham de famílias mais abastadas mandavam seus filhos para Jacobina, Senhor do Bomfim, Jequitibá e Salvador.

A ideia...

Em Jequitibá existia um mosteiro com excelente estrutura, um sonho, mas a sua estadia era muito cara para os padrões da época... Então padre Alfredo me conferiu a missão de selecionar alguns alunos para mandar pra lá, que tivesse vocação para ser padre, além da vocação, teria quer ser bons alunos, ter comportamento exemplar e ser assíduos nas aulas...


Foto atual do mosteiro de Jequitibá - BA

Eis o pecado...

Vi nesse pedido de Padre Alfredo a oportunidade de mandar meus bons alunos para desfrutar uma excelente educação e o melhor sem custos para ele e suas famílias (até o enxoval era doado pelo padre). Visitava os pais dos alunos e dizia: quero mandar seu filho para estudar em Jequitibá com todos os custos pagos pela igreja. Os pais ficavam radiantes de felicidades, mas diziam: “professora infelizmente meu filho não tem vocação nenhuma para ser padre”. Eu dizia... Eu sei disso, ele também sabe, nós sabemos, mas é uma oportunidade das melhores para preparamos ele para a vida, a educação é talvez a única herança que nós pais pobres podemos propiciar para nossos filhos.  Logo vinha a segunda pergunta: E depois da formatura, eles têm que ir para o seminário, o que vamos fazer? Eu respondia “deixa comigo”, eu assumo a responsabilidade de falar com o padre... E assim depois da formatura padre Alfredo me perguntava fulano já acabou os estudos, quando se apresenta no seminário? Eu dizia: padre Alfredo, ele não tem vocação para essa santa missão, me enganei, desde criança via nele um padre, mas infelizmente não vai ser... Mas aí eles já estavam formados e com uma excelente bagagem para enfrentar os desafios da vida...

Às vezes me questionava se estava fazendo a coisa certa... Trair a confiança de um santo homem que muito me ajudou e sempre confiou a mim a execução de vários de seus projetos, sei que também pequei contra minha igreja já que a verba era destinada aos alunos com vocação para o celibato, apenas para eles. Mas entendia que o pobre estudante da região tinha poucas oportunidades de seguir estudando, haja vista que depois de concluído o quinto ano muitos voltavam para os trabalhos na roça em suas terras áridas e castigadas pelas secas frequentes. Alguns eram “obrigados” a tentar a sorte em São Paulo, mas chegando lá a maioria abandonavam os estudos... Via no rostinho de cada criança um potencial enorme que às vezes só os professores percebem, via também joias preciosas que precisariam ser lapidadas, em outros lugares, com novos professores...

À noite, quando colocava minha cabeça no travesseiro lembrava que nunca foi fácil para eu fazer tais escolhas, sempre vivi essa dualidade, entretanto nunca tive dúvida na hora de fazer minha escolha: entre trair a igreja e ajudar meus alunos, sempre escolhia meus alunos, entre decepcionar Padre Alfredo e dar uma esperança de sucesso aos alunos, sempre fiquei com meus alunos, porque quando se nasce com a vocação para ser professora alguns pecados são permitidos...