QUAL DESSES É SEU PAI?
Não sou, por exemplo, o Superman. Não consigo sair
por aí voando, embora muitas vezes tenha vontade de fazê-lo; tenho de me mover
no atrapalhado trânsito desta cidade num modesto Gol, com a esperança de não
chamar a atenção dos assaltantes nem de ficar na rua com um pneu furado. Também
não tenho, como o Superman, a visão de Raios X; mal consigo ler, com muita
dificuldade e incredulidade, as notícias que aparecem diariamente nos jornais e
que nos falam de um mundo convulsionado e de um país perplexo.
Não sou o Homem Invisível. Não consigo passar
despercebido; tenho de ocupar meu lugar na sociedade, goste dele ou não.
Não sou o He-Man. Não tenho a Força; pelo menos não
aquela Força. Tenho uma pequena força, o suficiente para garantir o pão nosso
de cada dia, e mesmo alguma manteiga, o que não é pouco, neste país em que
muita gente morre de fome. E o Brasil, tem seus super-heróis?.
Não sou o Rambo; não tenho aquela formidável
musculatura, nem as armas incríveis, nem o feroz ódio contra os inimigos
(aliás, quem são os inimigos?). Não sou o Tio Patinhas, não sou um Transformer,
não sou o Príncipe Valente. Não sou o Rei Arthur, nem Merlin, o Mago, nem Fred
Astaire. O que sou, então? Sou o que são todos os pais. Homens absolutamente
comuns, a quem um filho transforma de repente (porque os pais são criados pelos
filhos, assim como os filhos são criados pelos pais: a criança é o pai do
homem). Homens comuns que levantam de manhã e vão trabalhar. Homens que se
angustiam com as prestações a pagar, com os preços do supermercado, com as
coisas que estão sempre estragando em casa. Homens que de vez em quando jogam
futebol, que às vezes fazem churrasco, que ocasionalmente vão a um teatro ou a
um concerto. Destes homens é que são feitos os pais.
Quando os filhos precisam, estes homens se
transformam. Se o filho está doente, se o filho tem fome, se o filho precisa de
roupa — estes homens adquirem a força do He-Man, a velocidade do Superman, os
poderes mágicos de Merlin. Mas a verdade é que isto não dura sempre, e também
nem sempre resolve. A inflação, por exemplo, nocauteia qualquer pai.Não,
filhos, não somos os seres poderosos que vocês gostariam que fôssemos. Mas
somos os pais de vocês, que um dia serão pais como nós. Os heróis são eternos.
Os pais não. E é nisso que está a sua força.
(Moacyr Scliar. Um país chamado
infância. São Paulo: Ática, 1995. p. 76-7.)
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